Roteiro Paru

Prólogo

Cheguei a Santarém às 03h00, um dia após o planejado por conta de atrasos, problemas mecânicos no avião, pernoite forçado em Belém e ainda, virose intestinal! O comandante do Gaia, Dinho, veio me buscar no aeroporto com uma pick-up. Fomos ao Maipiri, um igarapé do Tapajós onde há muitos estaleiros, e encontramos o Gaia. Lucineide, a cozinheira, já estava lá. Choveu um aguaceiro amazônico, fortíssimo, e durante essa tormenta vi que o teto novo, de zinco, vazava e caiam gotas da chuva nas redes. Dormi até as 08h00 da manhã. Chegou Ademir, o marinheiro que substituiu Carlinhos, inesquecível, que infelizmente morreu meses atrás por um infarto. Depois ancoramos no cais dos barcos de linha na frente do mercado dos peixes e da verdura. Fomos comprar os peixes para a longa viagem: dois tambaquis, quatro pescadas, um filhote, varias postas de pirarucu. Lucy foi ao mercado de frutas e verduras: muito bonito em Santarém. Comprou também o piracuí (farinha de peixe para fazer os bolinhos com batatas) e o feijão manteiguinha (um feijão amazônico claro, pequeno, muito gostoso). Depois fomos ao supermercado no qual ficamos por duas horas comprando os mantimentos para 8 pessoas ao longo de 13 dias, e voltamos ao Gaia. Dinho foi buscar ao aeroporto, proveniente do Rio de Janeiro, Chloé D’Archemont, uma psicóloga carioca nossa hóspede que faria uma oficina de artes com as crianças focada no uso de argila. Chegou Pimenta, o palhaço/ajudante, e Pedrinho, mateiro, que conhece bem o Paru. Na saída do cais os cabos do timão do Gaia se romperam e por segurança aguardamos até o dia seguinte para consertar e seguir o roteiro. Atracamos na praia Maria José, perto do aeroporto, para o banho no rio ao pôr do sol. Bonito, apesar da proximidade dos muitos banhistas ouvindo música funk a todo volume. Voltamos à noite ao Maipiri. Dormimos nas redes no convés alto do Gaia (Chloé, Pimenta, Pedrinho, Ademir – dormia na extrema proa de alerta – e eu). A tripulação dormiu no convés baixo (Dinho e Lucineide). (segunda 1/8) Dinho foi buscar ao aeroporto Daniel, o vídeo-maker uruguaio de Caxias do Sul (RS), às 03h00 da madrugada. Dormimos até às 08h00. Tomamos café da manhã todos juntos traçando o programa do Paru. Dinho e Ademir trabalharam até às 11h30 no conserto dos novos cabos comprados. Depois fomos abastecer no Posto Santo Antônio (desta vez o cartão de crédito funcionou) e partimos às 12h00 para Almeirim. Um forte vento contrário é logo sentido no Rio Amazonas, que fazia ondas, mas depois desapareceu. Ao entardecer alcançamos Monte Alegre e pegamos o primeiro canal à esquerda do Rio Amazonas. Chegamos quando já estava escuro na frente da casa sobre palafitas de Isaias e Maria, um casal de conhecidos. Havia uma meia lua. À noite senti enormes surubins se mexendo embaixo do Gaia. Depois ouvimos um forte guinchado dos macacos guaribas. (terça 2/8) Partimos às 08h00 e retomamos o Amazonas sem muitas ondas. Bom tempo. Atravessamos o canal Chicaia, muito lindo, especialmente no início. Com Daniel fizemos algumas tomadas com drone. Depois dormi um pouquinho e acordei quando retomávamos o Rio Amazonas quase na altura das torres de eletricidade de Belo Monte, que ficam nas duas margens do rio com mais de 120 metros de altura. Chegamos quase na foz do Paru quando soubemos pelo Ney, o proprietário do supermercado de Almeirim, que preparou somente 115 cestas básicas das 230 que tínhamos solicitado. As cestas básicas foram financiadas com uma campanha que fiz com vários amigos do Brasil e da Itália que se iniciou durante a Covid.

Epílogo

(quinta 11/8) Acordamos às 6h00 da manhã e partimos logo. Nasceu o sol. Duas andorinhas queriam fazer o ninho no Gaia e por horas esvoaçavam até no meio das redes. Pegamos um forte redemoinho quase nos pilares de Belo Monte da Eletrobrás que fez o barco perder a direção. O comandante Dinho foi bom em retomar a rota. O barco se inclinou muito e podia virar. Um susto enorme! A profundidade do rio naquele ponto estreito é de mais de 120 metros. Dia de sol, sem vento. O rio estava calmo. Dormimos no barco que avançava. Prosseguimos até a casa de Isaías e Maria no canal para Monte Alegre. Não deu certo um drone que Daniel queria fazer ao entardecer em cima de uma iguana. Chegamos tarde. Quase às 22h00. Muitos carapanãs (pernilongos em nheengatu e no português corrente amazônico). Lua cheia. O palhaço Pimenta teve um pesadelo, e gritou no meio da noite acordando todos: acontecia muitas vezes. (sexta 12/8) Partimos às 7h30 da manhã. Rio calmo. Na frente de Monte Alegre haviam muitas canoas de pescadores com malhadeiras. Gaiolas carregadas de gelo esperavam o peixe ali perto para conservá-lo. Chegamos à noite a Santarém. Atracamos na praia de Maria José. Chegamos quando já estava escurecendo. Nadamos com o céu vermelho. Fizemos uma piracaia (peixe grelhado na praia) com metade da grande pirapitinga de Cauateua. Não havia ninguém. Ademir contou sua história de vida. Dormimos com um canto fortíssimo dos macacos guaribas. A lua estava cheíssima. Depois foi o sábado 13 de agosto. Apareceu de repente um boto fêmea, cor de rosa e no cio, assediada por dois machos. Emergiu na água perto da ribeira, levantou a cauda, submergiu e emergiu de novo. Por fim foi se esconder entre uns arbustos na água mais rasa. Cheguei bem perto. Não fugia de mim. Quase a toquei. Maravilhosa! Depois fomos ao Mapiri para deixar a lancha em local seguro (o motor não estava funcionando) e o Gaia para um merecido descanso. Obrigado gaiola fantástica que me acompanha nas aventuras da Amazônia desde 2004.

Depoimento Pedrinho Pantoja… o Paru há 50 anos atrás.

Há muitos mistérios ao longo do Paru, indo na direção do Tumucumaque e do Suriname. Tantos quanto as mais das oitenta cachoeiras desse rio inacessível e selvagem. Existe uma capelinha branca em cima de uma montanha na altura da cascata de Maracanay. Que bonita, dissemos quando a vimos de longe, uns cinquenta anos atrás, trabalhando balata nas seringueiras: ressaltava com sua candura contra o azul do céu, a procuramos por três dias seguidos, mas não a achamos. Fomos nos informar: ninguém nunca conheceu o caminho na floresta para encontrá-la! Há uma grande pedra no meio de outra cachoeira do Paru que de longe parece escrita com letras claras. Quando se chega a ela tudo se mistura, se confunde e não se lê mais nada. Há um sapo, duas caretas, um xadrez, uma lua, um sol gravados na cascata de Muraicá. Inexplicável. Tudo remonta às brumas do tempo… (Pedrinho Pantoja)

 

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